Enquanto o Judiciário tenta acelerar a tramitação dos processos e é alvo de críticas da sociedade, na esfera administrativa, o Tribunal de Impostos e Taxas (TIT)...
por: Roberto Müller Filho/ Liliana Lavoratti
Enquanto o Judiciário tenta acelerar a tramitação dos processos e é alvo de críticas da sociedade, na esfera administrativa, o Tribunal de Impostos e Taxas (TIT) do Estado de São Paulo conseguiu reduzir de cerca de dez anos para onze meses o prazo de julgamento de ações ingressadas pelos contribuintes contra cobranças da Secretaria da Fazenda paulista. - "Primeiro fizemos a revisão da estrutura interna e da legislação. Depois veio a implantação dos processos eletrônicos, com software desenvolvido aqui mesmo. O mundo ainda está aprendendo a utilizar os meios eletrônicos em contextos como um tribunal de contenciosos tributários. Há tentativas no Judiciário, e no âmbito administrativo tem o TIT e algumas outras iniciativas localizadas", afirma o presidente do TIT, José Paulo Neves, em entrevista ao DCI.
A reestruturação do TIT abrangeu as 16 câmaras de julgamento (com 4 juízes cada um), a câmara superior (16 juízes mais o presidente) e as delegacias.
Até o auto de infração dos contribuintes deixou de ser feito em papel, e chegará o dia que até mesmo a visita do fiscal será dispensada. "Diminuímos o número de recursos, estabelecemos prazos, inclusive para os juízes relatarem os processos. A morosidade nos julgamentos, na esfera administrativa e no Judiciário decorre em grande medida da falta de gestão, onde os meios eletrônicos são fundamentais", enfatiza Neves.
A seguir, ele relata o impacto da modernização do TIT na recuperação de créditos tributários e para os contribuintes.
DCI: Como funciona o Tribunal de Impostos e Taxas?
José Paulo Neves: O TIT é administrativo e pertence à Secretaria da Fazenda. Ele é formado por delegacias tributárias de julgamento, que fazem os julgamentos de primeira instância, e o próprio Tribunal, com 16 câmaras mais a câmara superior, que julga em segunda instância os litígios entre contribuintes e a Fazenda Pública.
DCI: Esse processo começou quando?
Neves: Embora a lei que incentivou o TIT seja de 2001, repetia uma estrutura de 1969. Em 2005, o estoque era de 27 mil processos. Já naquela época existiam 10 mil, 11 mil processos na segunda instância, e outros entrando na primeira instância. Eram 27 mil processos e com tendência de alta. A mudança começou em 2006, não só da legislação, mas de cultura e compromisso de quem estava aqui, que foi a fixação de metas. Já apareceram os primeiros resultados. A nova lei é de julho de 2009, mas em dezembro daquele ano o tribunal já estava impactado pela mudança.
DCI: O estoque caiu?
Neves: Bastante, foi para 11.429 processos em 2009. Vamos estabilizar esse número ao redor de 7 mil processos. Não há como zerar o estoque. Fechamos 2011 com 20 mil autos lavrados pela Fazenda.
DCI: Do total, quantos são contestados e vêm parar no TIT?
Neves: Desses 20 mil autos, só não vêm para cá aqueles não contestados. É um percentual mínimo, não passa de 10 %. Os contribuintes vão tentar esgotar os recursos aqui primeiro. Depois de uma decisão do TIT já pode ter um pagamento, mas os devedores vão discutir, é uma tendência do ser humano. Esgotadas as possibilidades no TIT, uma parte ainda recorre à Justiça.
DCI: Em média, quanto tempo demora a tramitação de todo o processo administrativo?
Neves: Como chegamos no volume de 7 mil processos, o que importa para nós não é reduzir mais isso. O que importa não é ter 7 mil, 10 mil ou 15 mil no estoque. Isso fica para segundo plano. Isso é indiferente, desde que eu julgue isso definitivamente em um ano, dez meses. Queremos manter esse tempo de permanência do processo dentro dessa faixa bastante positiva. Aqui, nessa primeira fase, a situação era tão caótica que primeiro precisava arrumar isso para depois pensar em tempo de permanência. Nessa época, não havia muitos indicadores de controle de tempo de permanência. Criamos os primeiros indicadores e batia cinco a seis anos o tempo médio de permanência de um processo aqui. Quando olhamos para o Judiciário, em alguns casos, esse tempo vai para 10, 12 anos. No TIT, hoje, o tempo médio de permanência de um processo está em média em um ano. Para julgar definitivamente. No âmbito das delegacias, eles são julgados em menos de 90 dias.
DCI: É possível esse prazo cair ainda mais?
Neves: Ainda há uma margem, mas é preciso calibrar a meta sem perder qualidade. E também não está fixada em modificação processual e de estrutura, que já foram implantadas. Daí não virá mais redução. O que poderá ajudar a encurtar esse prazo é o processo eletrônico. Estamos com um projeto, para o qual já existe legislação, e está sendo implantado há dois anos e meio. É o desenvolvimento do processo eletrônico, que é o que mais nos demandou nesse tempo todo. Primeiro fizemos a revisão dos processos aqui dentro e o processo eletrônico veio depois da alteração das estruturas e da legislação processual. O mundo ainda está aprendendo a utilizar os meios eletrônicos em contextos como um tribunal de contenciosos tributários. Há tentativas no âmbito do Poder Judiciário, e no âmbito administrativo tem o TIT e algumas outras iniciativas localizadas. Mas ninguém tem know-how de processo eletrônico. Mesmo nos países mais civilizados, o processo eletrônico ainda é incipiente. E na Secretaria da Fazenda prospectamos mercado até para aprender isso. Partimos para o desenvolvimento de tecnologias aqui dentro. Temos a área de TI bastante grande e em condições de realizar esse projeto.
DCI: Os autos de infração continuam em papel?
Neves: Tivemos que tomar decisões. Vamos fazer um projeto de transformar o contencioso administrativo em eletrônico e o auto de infração continua a ser em papel? Que é o grande problema do Judiciário hoje. Ele tenta transformar em eletrônico no âmbito do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça, mas ele é em papel desde a origem até chegar lá. Então não é bem um processo eletrônico. Vende-se isso como um processo eletrônico, mas na verdade é um processo em papel que foi digitalizado. Nós fomos aumentando o escopo desse projeto, pensando que o auto de infração tem que nascer eletrônico. Não é só o contencioso. Então já envolveu a área de fiscalização e foi crescendo.
DCI: O que falta para os autos serem eletrônicos?
Neves: Toda a parte de fiscalização já opera dentro do novo modelo, e todos os trâmites internos, como manifestação do fiscal, apresentação da defesa, tudo é eletrônico. Estamos com um projeto piloto nas 18 delegacias de fiscalização, que massificou agora em fevereiro, quando viramos a chave, ninguém mais lavra auto em papel. Chegou um momento em que todas as 18 delegacias estavam lavrando os autos eletronicamente, tínhamos já de 20% a 25% de autos lavrados eletronicamente quando comparados ao papel. Tudo foi testado. É um projeto muito complexo, não ficou só no contencioso. Todo o sistema, desde a lavratura até o dia em que é inscrito em dívida para execução e cobrança, ele é movimentado pelo sistema. O contribuinte é notificado do auto de infração, dentro das regras processuais ele tem 30 dias para fazer a defesa. Se não fizer a defesa, o sistema, por si só, sem a intervenção humana, já dá um impulso no processo e joga ele para a outra fase. Ele segue automaticamente. Se entrou a defesa, já dá outro impulso para o processo, isso sem intervenção humana alguma.
DCI: Então a arma contra a morosidade nos tribunais é adotar sistemas eletrônicos?
Neves: Sem dúvida. Tudo fica instantâneo. Quando um processo é convertido em diligência, abre-se um prazo para a Fazenda falar. Esse prazo continua o mesmo dentro do processo eletrônico. Isso não muda. Mas quando o auto é relativo a um contribuinte de Presidente Prudente, por exemplo, tudo fica mais rápido. Antes, esse processo físico para chegar lá levava uma semana e mais alguns dias na repartição para cair na mão do fiscal. Agora a câmara converte o processo em diligência e na mesma hora o processo entra na fila de trabalho. Grosso modo, em todas as fases da tramitação do processo é assim que o eletrônico atua: há uma inteligência por trás dele gerenciando isso. Atua no prazo "não processual", inútil, e que a experiência do TIT mostra, mas com certeza é o que ocorre no Judiciário, que esse prazo se tornou maior que o prazo processual.
DCI: Não é só reformar o Código do Processo Civil...
Neves: Fala-se que a reforma do Código de Processo Civil é necessária, bem como a redução de recursos - que nós fizemos aqui e que é importante. São pleitos legítimos, mas não resolvem o problema da morosidade do Judiciário. Não é o prazo de 30 dias que a parte tem para entrar com um recurso que atrasa o andamento do processo. Ela tem 30 dias para interpor o recurso, mas esse processo leva três anos para entrar em pauta. Se reduzir os 30 dias para 15, ganha-se 15 dias, mas vai continuar aguardando três anos para entrar em pauta. Esse prazo "inútil", não processual, é sem dúvida muito maior do que o prazo processual.
DCI: Tudo depende de gestão?
Neves: Sim, e não de alteração de legislação. Não que ela não tenha que ser feita. Nós fizemos a nossa, mas achar que isso resolve, não resolve.
DCI: Qual o tamanho do contencioso?
Neves: : Em dezembro de 2005, tínhamos um estoque de 27 mil processos. E entravam cerca de 20 mil novos por ano. E conseguia-se encerrar, naquela época, de 2 mil a 3 mil processos por ano. Era o caminho do caos. A conta não fechava e, pior, aumentava em uma progressão geométrica. E se levava seis anos para terminar o processo, com esse estoque aumentando. Tínhamos que quebrar esse círculo vicioso. Só um parênteses sobre o processo eletrônico: ele também oferece uma série de serviços para os advogados, para os contribuintes e para a própria Fazenda, que o papel não oferece. Você tem acesso ao seu processo e pode consultá-lo com acesso da sua casa, do escritório. Rompe-se com aquela coisa de que para ver o processo é preciso vir aqui no Tribunal e pedir vista do processo. Também é possível praticar todos os atos do processo, interpor um recurso, defesa, qualquer ato processual, tudo pela rede. Ganha-se agilidade e elimina-se filas no TIT.
DCI: E em termos de crédito tributário, qual a situação?
Neves: O crédito tributário não caiu, segue uma outra lógica que é a econômica. A economia e a arrecadação em 2005 não são nem de perto as de hoje. Elas crescem e os valores absolutos desses autos de infração lavrados hoje são muito maiores que há anos.
DCI: E a arrecadação do Estado de São Paulo?
Neves: A arrecadação é de R$ 120 bilhões/ano. É muito dinheiro. Os créditos representam um terço do total da arrecadação. Claro que isso tudo não é dinheiro em caixa. Muitos serão cancelados pelo TIT, no caso de os contribuintes ganharem a ação. O que importa é que existe um estoque de R$ 40 bilhões que precisa ser decidido, tanto para a Fazenda saber realmente quais são os recursos possíveis de se recuperar, quanto para os contribuintes saberem se vão desembolsar esse dinheiro ou não. Dos 20 mil autos lavrados, 5% a 10% são pagos.
DCI: Uma curiosidade pessoal: como é lavrado um auto de infração eletrônico?
Neves: Tudo pelo sistema. A fiscalização individual ainda existe. O fiscal pode levar um lap top, mas isso não elimina a visita. Mas isso vai acabar com o tempo. Porque os livros serão eletrônicos. Hoje os livros são em papel, mas temos outros projetos. A fiscalização é pela base do contribuinte. Mas tudo estará em meio eletrônico, o fiscal vai entrar no livro eletrônico, ver os registros que foram feitos. E o contribuinte também passa a atuar totalmente de forma eletrônica. Todo o livro escritural já não é no papel, tudo será escriturado no sistema.
DCI: Em quanto tempo o auto de infração vai eliminar a necessidade da visita dos fiscais?
Neves: Ainda precisamos de alguns meses. Se pegarmos um processo ideal, em cada fase do processo, não tem como eliminar isso, tem os prazos legais. Quando lavro o auto, o contribuinte tem 30 dias para apresentar a defesa. A Fazenda tem outro prazo. Depois vai para julgamento, tem um tempo para julgar, abre prazo para recurso. Somando esses tempos, vai chegar no fim de um processo ideal que passou por todas as fases. Chega perto de um ano, por conta de questões constitucionais, tem que dar o contraditório, o duplo grau de jurisdição. Tem toda uma estrutura de cidadania, de democracia que tem que ser preservada. A grande dificuldade do Judiciário é preservar toda essa estrutura de democracia e de ampla defesa sem tornar o processo interminável. Esse é o grande desafio. Mas um processo que leva 10, 15 anos para ser julgado, há de se convir: está havendo Justiça? Quando a pessoa foi violada em um direito dela, ela vai ao Judiciário para poder reparar esse direito e o Judiciário dá uma resposta para ela 20 anos depois. Será que esse direito verdadeiramente foi reparado?
Fonte: DCI
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